URGÊNCIA
Moradores ameaçados de despejo por força de ordem judicial na cidade de Eldorado do Sul – RS
Porto Alegre, 23 de julho de 2013.
EXMA. SRA. DRA. Luciane Di Domenico Haas JUIZA DE DIREITO DA VARA JUDICIAL DO FORO DA COMARCA DE ELDORADO DO SUL – RS
Reintegração de Posse nº 1120002198-7.
PREFEITO MUNICIPAL DE ELDORADO DO SUL
Exmo. Sr. Prefeito Sergio Munhoz
SECRETARIA MUNICIPAL DE HABITAÇÃO
Exmo. Sr. Secretário Paulo Volmir Garcia
COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA CÂMARA DE VEREADORES DE ELDORADO DO SUL
Exa. Sr. Vereador Jorge Vidal
Ministério Público Estadual
Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos
SECRETÁRIO DE DIREITOS HUMANOS – PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
Sra. Maria do Rosário
OUVIDORIA NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão
Ministério Público Federal
Exmo. Sr. Dr. Aurélio Virgílio Veiga Rios
MINISTÉRIO DAS CIDADES
Exmo. Sr. Ministro Aguinaldo Ribeiro
Coordenação de Prevenção e Mediação de Conflitos Fundiários urbanos DO MINISTÉRIO DAS CIDADES
Ref.: 90 famílias ameaçadas de despejo por força de ordem judicial emanada dos autos de ação de reintegração de posse.
Assunto: Solicitação de pedido de providências por parte do Poder Judiciário e do Poder Público Municipal de Eldorado do Sul no sentido de garantir o direito humano fundamental à moradia digna e à cidade das famílias ameaçadas de despejo por força de ordem judicial.
As Relatorias Nacionais de Direitos Humanos são um instrumento para a construção e fortalecimento de uma cultura de direitos humanos, desenvolvido desde 2002 pela Plataforma DHESCA Brasil. Inspiradas nos Relatores da ONU, elas funcionam como um mecanismo de monitoramento da situação dos direitos humanos no país, em que relatores visitam locais onde existam violações aos direitos humanos, investiga denúncias e publicam relatórios com recomendações aos poderes responsáveis.
A Relatoria do Direito Humano à Cidade recebeu denúncia de ameaça de despejo de famílias de baixa renda e em estado de vulnerabilidade social que estão ocupando área de terras na cidade de Eldorado do Sul – RS, próximas à rodovia BR 290. Essas famílias passaram a ocupar área de terras abandonadas na cidade e que não cumpria sua função social. Segundo relatos ainda, essa área está penhorada judicialmente pelo Estado do Rio Grande do Sul por força de processo de execução fiscal movido contra a proprietária da área. As famílias que residem no local não têm outro local para morar com seus filhos e idosos.
Neste sentido, essa Relatoria do Direito Humano à Cidade clama pelo cumprimento das obrigações legais brasileiras segundo a normativa nacional[[1]], das prerrogativas de Direito Constitucional, e ainda internacional[[2]], dentre eles o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
Tal recomendação se fundamenta nas considerações de fato e direito a seguir:
O direito à moradia digna é reconhecido juridicamente como um direito humano fundamental pelos tratados internacionais de direitos humanos do qual o Estado Brasileiro é signatário e legalmente obrigado, com base também no artigo 6º da Constituição Brasileira.
- São componentes do direito à moradia adequada[[3]] a segurança jurídica da posse, condições físicas de habitabilidade, o custo acessível, a acessibilidade, a adequação cultural, o acesso à infra-estrutura e serviços básicos e a boa localização, no caso em tela significa o direito da população de baixa renda de construir suas moradas em área servida de infra-estrutura e serviços, próximo às opções de trabalho, saúde e educação.
O direito à propriedade já não é mais um direito absoluto e superior aos demais direitos. Nesse caso é dever do Estado brasileiro garantir a proteção da propriedade, sem se esquecer de garantir também a efetividade do direito à moradia digna, em defesa da dignidade da pessoa humana.[4] O Poder Público deverá garantir o direito à moradia das famílias atingidas pelo despejo.
Nos termos dos Pactos Internacionais firmados pelo Brasil a r. decisão judicial deverá ser cumprida respeitando a integridade física e dignidade humana das famílias despejadas, não deixando nenhuma pessoa desabrigada e sem acesso á moradia digna.
É necessário que se cumpra os termos da Resolução nº 87/2009 do Conselho das Cidades que prevê a necessidade do poder público em todas as suas esferas impulsionar medidas de mediação de conflitos em detrimento a ações que possam acarretar mais conflitos ainda e com potencial de violar direitos humanos.
Que o artigo 2º da Lei Federal nº 10.257/2001 Estatuto da Cidade, preceitua que a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante diretrizes gerais, dentre elas:
I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;
De acordo com a legislação nacional e internacional os despejos ou remoções significam frontal violação ao direito à moradia, sendo, por esta razão, a última solução possível para a resolução de conflitos possessórios.
A prática de despejos forçados ocorre quando há a remoção de pessoas ou grupos pessoas de suas casas contra sua vontade e constitui grave violação dos direitos humanos, em particular, do direito à moradia adequada, nos termos da Resolução 1993/77 da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas. O Estado Brasileiro é signatário de todas as convenções relativas aos direitos econômicos, sociais e cultuais.
De acordo com a Constituição Federal, o direito à moradia é um direito social que deve ser implementado para erradicar a pobreza, mediante o desenvolvimento de políticas públicas. Essa obrigação pretende coibir medidas e ações que impossibilitem ou dificultem o exercício do direito à moradia. É responsabilidade do poder público a proteção ao direito à Moradia e a garantia de que os despejos não sejam levados à termo, mediante a utilização dos instrumentos jurídicos e políticos existentes no Estatuto da Cidade para que seja garantida a função social da propriedade.
- Solicitamos que sejam respeitados os tratados e convenções do sistema internacional, especialmente o Comentário Geral nº 4 e 7 do Comitê DHESC, de proteção dos direitos humanos, que são normas subsidiárias incorporadas no ordenamento jurídico brasileiro, em razão do Brasil ser signatário destes tratados e convenções internacionais de direitos humanos.
Recomendações:
Seja suspensa provisoriamente pelo Juízo da Vara Judicial de Eldorado do Sul – RS a decisão de reintegrar liminarmente a posse da área, com o consequente despejo das famílias que moram no local, permitindo que permaneçam temporariamente no espaço até que o poder público municipal resolva o problema habitacional dessas famílias e, ato contínuo, seja instalada mesa de negociações para resolução pacífica do conflito com a presença de representantes do Ministério Público Estadual, Prefeitura Municipal de Eldorado do Sul, representantes das famílias assistido por advogado habilitado e ainda da Coordenação de Prevenção e Mediação de Conflitos Fundiários do Ministério das Cidades.
Seja dada garantia pelo Município de Rio Grande – RS de que essas famílias em estado de vulnerabilidade social terão o seu direito à moradia digna respeitado.
Seja garantido auxilio técnico e com recursos pelo Ministério das Cidades para viabilização do exercício do direito à moradia digna das famílias no local em que residem atualmente.
Atenciosamente,
Leandro Franklin Gorsdorf
Relator do Direito Humano à Cidade
Cristiano Müller
Assessor da Relatoria do Direito Humano à Cidade
[1] Constituição Federal art. 1º, 5º , XXIII, 6º, 170 III e 184 e 186, Lei Federal nº 10.257/2001.
[2] Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 25, parágrafo 1º), Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (Artigo 17), Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais (Artigos 11 e 12), Comentário Geral nº 4 e nº 7 do Comitê de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais, Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (Artigo 5º, item “e”), Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (Artigo 14. 2 (h) ), Convenção sobre os Direitos da Criança (artigo 21, ítem 1 e 3; artigo 27,parágrafo 3º), Convenção Americana de Direitos Humanos (Artigos 11 e 24), Carta da Organização dos Estados Americanos (Artigo 34), Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Artigo 11).
[[3]] Segundo Comentário Geral nº 4 do Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais das Nações Unidas. Fonte: Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Comentário Geral n. 4, direito à moradia adequada (Art. 11 (1) do PIDESC) (Sexta Sessão, 1991), para. 8(a), UN Doc. HRIGEN1Rev.1 at 53 (1994).
[4] AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE. DIREITO À MORADIA. DIGNIDADE PESSOA HUMANA. PONDERAÇÃO. RECOMPOSIÇÃO DO MEIO. DESIGNAÇÃO DE NOVO LOCAL PARA HABITAÇÃO DA FAMÍLIA. Tendo em vista que não há direito fundamental absoluto, havendo o embate entre o direito fundamental difuso ao um meio ambiente hígido e o direito fundamental à moradia, que perpassa pela dignidade da pessoa humana, em que pese a prevalência geral do primeiro, porque sensível e afeto a toda a coletividade, há casos da prevalência deste, afim de garantir o mínimo existencial no caso concreto. Trata-se de prevalência, jamais total subrogação de um sobre o outro. Desta forma, demonstrada ocupação de área de preservação permanente ou terreno de marinha, com fins de moradia por tempo considerável, deve o posseiro demolir a construção ilegitimamente levada a efeito, recompondo o meio integralmente ou pagando multa indenizatória direcionada para tal fim. Entretanto, a desocupação somente poderá ser efetivada após garantia do Poder Público de designação de novo local adequado para moradia da família. (TRF4 – APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.04.01.020586-8/SC, Relatora Dês. Federal Maria Lúcia Luz Leir, julgado em 15/09/2009)