Luís Eduardo Gomes
A partir de dados do IBGE, o Observatório das Metrópoles realizou um estudo sobre as transformações sociais e econômicas na Região Metropolitana de Porto Alegre entre 1980 e 2010. O resultado foi publicado no livro Porto Alegre: transformações na ordem urbana, em que foi constatado um processo de perda de influência do setor industrial na economia e um processo de elitização da Capital, com a consequente periferização das camadas populares.
Paulo Roberto Rodrigues Soares, professor do departamento de Geografia da UFRGS e coordenador do Núcleo Porto Alegre do Observatório das Metrópoles – composto por professores da UFRGS, da PUCRS, da Fundação de Economia e Estatística (FEE), da Escola Superior do Ministério Público e da ONG CDES Direitos Humanos -, explica que o trabalho é fruto de uma pesquisa realizado durante cinco anos a respeito das transformações na ordem urbana em 15 metrópoles do país entre os anos de 1980 e 2010, que deram origem a 15 livros diferentes. Para analisar as mudanças ocorridas nesse período, foram utilizados os dados do censo dos anos de 1980, 1991, 2000 e 2010.
Os pesquisadores investigaram características como a transição demográfica, a reestruturação produtiva, as mudanças no mercado de trabalho e nos espaços industriais, as características da estrutura social e da organização do território e as transformações no perfil das famílias, nas formas de provisão de moradia e na mobilidade urbana, além das conexões eleitorais e da distribuição territorial do voto na região e da inclusão de temas relacionados à governança das metrópoles nas agendas governamentais.
A principal constatação do trabalho foi a mudança do modelo econômico das metrópoles, com a diminuição da importância das indústrias na economia e na geração de empregos e migração para um modelo com maior peso nos serviços. “As metrópoles eram o suporte territorial da indústria e deixaram de ser. Isso gera impactos sociais”, diz Soares.
O estudo demonstra que, a partir de 1980, ocorre a migração das grandes indústrias para a Região Metropolitana. A partir de 2000, também ocorre a desconcentração no setor de serviços, com cidades como Canoas e Novo Hamburgo passando a também serem polos de atividades terciárias.
Em 1980, a indústria era responsável por um terço do PIB da RMPA e os serviços por 65,9%. Em 1991, após um processo de aceleração da industrialização, o setor chega a 55,69% do PIB na região metropolitana e salta de 21,62% para 33,36% da Capital. Nos censos seguintes, porém, voltaria a regredir. Em 2000, a indústria era responsável por 33,43% do PIB e, em 2010, por 32,20%. O setor de serviços chegaria a 67,14% do PIB da RMPA em 2010 e a 84,87% da produção econômica da Capital.
A mudança econômica também passa pela perda de peso da Capital no PIB da RMPA. Em 1982, Porto Alegre respondia por 57,78% do PIB Metropolitana. Em 2010, por apenas 38,85%. A queda é ainda mais acentuada quando avaliado o PIB industrial, com a Capital recuando de 37,46% para 18,62% no mesmo período.
Elitização de Porto Alegre
Uma das novidades do estudo foi a utilização de uma metodologia própria do Observatório das Metrópoles com atenção também aos microdados e a separação por bairros, que permitiu caracterizar setores das cidades como de elite, médios, operários e de camadas mais pobres. Aplicando essa metodologia desde 1980, constatou-se que a Capital passou por um processo de elitização em sua área central.
“A elitização de Porto Alegre é muito clara. Passa a concentrar em seu território maioria de populações de classe média e a colocar na periferia urbana os mais pobres. Os setores populares ficam muito concentrados no entorno de Porto Alegre, no caso Viamão, Alvorada e partes de Cachoeirinha, Gravataí e Canoas. Aconteceu um extravasamento de Porto Alegre”, avalia Soares.
De acordo com o estudo, o processo de periferização das camadas populares é acompanhado do crescimento do número de domicílios acima do crescimento populacional. Entre 1991 e 2000, a população aumentou 16,16% e o número de domicílios, 24,44%. De 2000 a 2010, a população cresceu 6,47%, e os domicílios, 18,27%.
Segundo o professor, essa mudança de perfil também pode ser atribuída à mudança econômica. “A gente percebe uma diminuição muito grande dos setores operários da metrópole, com exceção do Vale dos Sinos, onde a gente ainda vê essa presença operária. Nas demais cidades, passa a prevalecer a presença de trabalhadores do terciário inferior, setores de serviços e mão-de-obra pouco qualificada”, diz Soares. Em 1991, por outro lado, havia concentração de operários em Alvorada, Gravataí, Canoas e na zona Norte de Porto Alegre.
Outro processo que vai interferir na elitização de Porto Alegre é a “liberalização da produção das cidades” e do mercado imobiliário. “Mesmo as políticas habitacionais, como o Minha Casa, Minha Vida, foram muito orientadas pelo mercado, especialmente no que toca a questão da localização”, diz Soares. “O MCMV recuperou um padrão de localização de conjuntos habitacionais na periferia que era padrão nos anos 1970, como as Cohabs. Se percebeu uma periferização da política habitacional. Isso foi muito orientado pelo mercado”, pondera.
Mesmo com investimentos e liberações de recursos por parte do governo federal, Soares salienta que a decisão sobre a localização recaiu, na maioria dos casos, para as próprias construtoras, que escolhiam os lugares distantes do Centro, por apresentarem terrenos mais baratos. Por outro lado, a partir do MCMV, em toda a região metropolitana o preço da terra subiu significativamente. “Essas políticas habitacionais e esses projetos de infraestrutura acabaram reforçando a segregação. As melhores áreas foram destinadas a grandes empreendimentos privados voltados à classe média e à classe alta”, salienta Soares.
Menos passageiros, mais carros
O estudo demonstra grandes transformações na mobilidade em três décadas, com o aumento da oferta de linhas e do número de veículos em circulação acima do crescimento de passageiros.
Inicialmente, ocorre um aumento do número de passageiros. Em 1976, havia uma frota de 927 ônibus, responsáveis por 6.937 viagens, com uma média de 279.837 passageiros por dia. Em 1995, 1.786 ônibus transportavam diariamente 570.753 passageiros em 9.717 viagens. Em 2000, porém, o número de passageiros já cai para 517.542. Em 2010, chega a 484.756, para uma frota que atinge 2.090 ônibus e 12.643 viagens. A frota de veículos apresenta um crescimento médio superior a 5% ao ano.
No entanto, também ocorreu uma mudança que tornou mais complexo o sistema. Há 30 anos, Porto Alegre abrigava a maior parte dos empregos para os moradores da RMPA, o que gerava um fluxo periferia-centro pela manhã e centro-periferia no final da tarde. “As pessoas residiam na Região Metropolitana e trabalhavam na Capital. Hoje, há um fluxo pendulário. Muita gente mora em Porto Alegre e trabalha na RPMA”.
Além disso, a cidade se expandiu muito para as zonas sul e leste – e suas periferias conexas -, afastando os trabalhadores da grande solução de mobilidade de décadas passadas, o Trensurb, que, segundo Soares, ainda é voltado para a realidade dos anos 80, faltando uma opção de traçado leste-oeste, “não só no eixo da BR-116”.
Como consequência desse processo de periferização, aumenta o tempo de viagem dos trabalhadores. Em Alvorada, por exemplo, 24,4% da população leva mais de uma hora para ir de casa ao trabalho. Em Viamão, esse percentual é de 25,2%, enquanto em Gravataí, Guaíba e Cachoeirinha, todas próximas a Porto Alegre, o índice varia de 15% a 20%.