Por Gabriela Moraes, CAU/RS

Karla Moroso é carioca, nascida no Rio de Janeiro (RJ), mas sempre viveu em Porto Alegre. Estudou em escola pública e formou-se em Arquitetura e Urbanismo pela UNISINOS em 2003. Possui uma pós-graduação em Direitos Humanos e, atualmente, é mestranda do Programa de Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Quando fiz vestibular, aos 17 anos, eu nem tinha a dimensão de que o curso era tão amplo e envolvia questões relacionadas com a cidade, sua formação, planejamento e desenvolvimento”, destaca.

Mesmo antes de se formar, Karla já atuava em organizações não governamentais de Direitos Humanos com foco no tema moradia. Trabalhou no Centro pelo Direito à Moradia Contra Despejos (COHRE) e, hoje, atua no Centro de Direitos Econômicos e Sociais (CDES).

Acompanhe a entrevista completa com a arquiteta e urbanista Karla Moroso, vencedora do prêmio Arquiteto e Urbanista do Ano de 2015, promovido pelo Sindicato dos Arquitetos no Estado do Rio Grande Sul (SAERGS). Karla ganhou reconhecimento na categoria “Obra, ação ou trabalho destaque do ano” pela regularização fundiária do Morro Santa Teresa em Porto Alegre.

Entrevista | Karla Moroso – Arquitetura pelo compromisso social e direito à moradia

CAU/RS: Karla, na faculdade, quais áreas despertaram inicialmente o teu interesse? Algum professor ou professora em especial?

KM: Dentro do curso, o Urbanismo. Destaco, na minha formação, duas professoras: Lúcia Segala Géa e Jacqueline Menegassi. A Lúcia era professora de História da Arquitetura e, em uma das suas aulas, falou sobre como era importante a atuação do arquiteto e urbanista junto aos movimentos sociais de moradia e de como eram escassos os que direcionavam sua atuação profissional para esse campo de trabalho, mais voltado às demandas públicas e sociais.

Esse foi o dispositivo para que eu procurasse meu primeiro estágio, na Secretaria de Habitação do Estado, que havia sido criada naquele mesmo ano, em 1999. Lá conheci minha outra professora, também muito especial, a Jacqueline, que depois de formada esteve muito presente na minha caminhada profissional.

CAU/RS: O que ser mulher representa para Arquitetura? Há algum benefício, nesse sentido?

KM: Atuo de forma articulada a outras organizações e instituições, nas quais existem muitas mulheres, fortes e lutadoras, mas elas, mesmo sendo maioria, não estão nos cargos de poder e de direção. Acho que a mulher representa a luta por direitos, por espaço, nem tanto no mercado, mas na produção intelectual e na esfera pública, nos espaços de decisão.

Não vejo benefícios, vejo muitos desafios, principalmente o da conciliação. Disputar esses espaços requer dedicação, quando não uma “masculinização”. Mas nós, mulheres, somos mais passionais, mais afetivas, somos mães, cuidamos do lar (não porque somos “Amélias”, mas porque gostamos), amamentamos, nos cuidamos – não só da beleza, da saúde também. Sim! As mulheres fazem exames e vão ao médico com muito mais frequência que os homens! Enfim, conciliar tudo isso em uma agenda requer muito jogo de cintura e abrir mão de parte destas coisas parece pré-requisito para estar em alguns espaços.

CAU/RS: Você sente algum preconceito no cotidiano profissional por ser mulher?

KM: Hoje não sinto, mas já foi muito presente no início da profissão, quando eu tinha escritório de projeto e execução. Parecia que o lugar da arquiteta era no escritório e nunca na obra. Em muitos momentos, eu tive a impressão que se eu me “masculinizasse” para ir na obra, surtiria mais efeito.

Cheguei a escutar uma vez que para ir na obra eu deveria usar calças, camisa e bota para “não tirar a atenção” dos funcionários. Não me rendi, sempre achei esse tipo de leitura extremamente machista. Hoje, afastada deste campo profissional, não sei como andam as coisas, mas acredito que ainda seja uma realidade.

“As populações vulneráveis precisam de profissionais que atuem em prol dos seus interesses e nós, arquitetos, temos um compromisso com toda a sociedade.”

CAU/RS: Algum projeto, em especial, já marcou tua carreira? Por quê?

KM: O que marca minha carreira é o trabalho com as comunidades de assentamentos informais (regularização fundiária) e destaco, nesse contexto, o trabalho com a Vila São Pedro e com o Morro Santa Teresa em Porto Alegre.  Trata-se de um trabalho que vai muito além de um projeto (artefato/desenho). Ele é um processo amplo de luta por direitos sociais, por terra, por moradia, por espaços na cidade. Um processo que tem tudo a ver com Arquitetura.

Se nossas cidades são injustas, espacialmente injustas e desiguais, não é por falta de planejamento. Mas, sim, pela existência de um planejamento parcial, realizado numa perspectiva de mercado, no qual o poder público foi incapaz de garantir a justiça e a equidade.

As populações vulneráveis precisam de profissionais que atuem em prol dos seus interesses e nós, arquitetos, temos um compromisso com toda a sociedade.

CAU/RS: Karla, o que te realiza como profissional?

KM: É saber que, mesmo sendo muito pouco, meu trabalho pode ajudar na construção de um mundo melhor.

CAU/RS: Para encerrar, é possível indicar algum caminho para a Arquitetura e Urbanismo? Novos valores? Novos desafios?

KM: O caminho é o da valorização do profissional e da sua importância para nossa sociedade, para nossas cidades. Se entendemos que isso é importante, um dos desafios é a inserção deste profissional nas instituições públicas. Hoje, tem prefeitura que não conta com arquitetos no seu quadro. Isso é inadmissível em uma país urbano como o Brasil, com os problemas urbanos que tem!

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